Sonhos de Insônia
10:35
Bateu
03h00 no relógio, na madrugada da véspera de natal. Era uma noite quente de verão,
embora o ar condicionado disfarçasse o clima.
Ela
acordou com um susto, com ele deitando ao seu lado, embora não houvesse a
tocado. Acabara de chegar da rua.
Era
madrugada novamente e novamente ela não conseguia mais dormir. Esse hábito
estava tornando-se mais frequente, de modo que não teve outra escolha a não ser
começar uma nova amizade com a noite.
Em
meio à escuridão que se apresentava como uma sombra que se expandiu,
transformando-se no todo, ela se levantou da cama agora dividida, guiada pelo
inconsciente, sem saber que lá fora uma grande lua cheia a abençoava,
iluminando seus passos interiores.
Ela
se levantou como a um gato, silencioso e dono de si. Precisa. Sua.
O
ar quente inundou seus pulmões assim que ela pisou fora do quarto gelado, mas
logo seu corpo se adaptou ao clima tropical, que a envolveu como a uma amiga
silenciosa, abraçando sua dor que doía silenciosamente. Sim, o calor era um conforto,
assim como o silêncio, assim como a lua, assim como a noite. Estava segura
novamente.
Mas
precisava desabafar.
Deixou-se
levar pela solidão que a acompanhava sem cessar, mesmo quando estava cercada de
pessoas.
Naquele
dia parece que a sensação havia se intensificado, não dando trégua alguma para
seu ser, fazendo-se presente incondicionalmente.
Talvez
a culpa fosse dele. Qual sentido de se ter alguém se não existe o toque, não
existe a paixão? Qual sentido de se comprometer se não há o compromisso de
carinho e dedicação? Qual o sentido de estar junto, se o tempo junto é
preenchido com outros afazeres? Qual o sentido de amar se não se sentia
completa?
Ah!
Como ela gostaria que a culpa fosse dele, e então sua consciência solitária
poderia descansar em paz sabendo que internamente estava bem.
Mas
não estava bem internamente, porque então estaria bem externamente, e isso
estava claro que não era. O externo era um reflexo nebuloso do seu mundo
interior, e desse segredo não havia como se esconder, porque a seguiria qualquer
lugar.
Por
isso saiu do quarto, porque precisava estar sozinha novamente, porque a
projeção da culpa era muito tentadora.
Por
que tudo aquilo a incomodava tanto? Quem é que estava tirando seu sono?
De
onde veio a necessidade do toque, e porque a falta dele a deixava assim,
incompleta?
Ora,
não sabia que era completa por si só? Não sabia que esse sentimento só poderia
ser preenchido por ela mesma?
Deveria
saber. Já era hora.
Olhando
para fora da janela, via as luzinhas de natal piscando e iluminando a
madrugada, e sonhava, imaginando quantas pessoas estariam acordadas aquela hora
pensando em suas próprias solidões.
Provavelmente
mais do que imaginava.
E
se todas essas pessoas se juntassem, mesmo assim sua solidão não a
abandonaria. Continuaria presente,
lembrando-a de sua existência sem dar trégua.
Porque
mesmo com ele dormindo na cama ao seu lado, era como se dois mundos insolúveis se
encontrassem sem se misturar. Como água e óleo. Como o céu e a terra. Como
cores em um arco-íris. Como um tijolo no meio de uma parede. Como tudo que não
era ela, e ela.
Mas
esse era seu momento, assim como o próximo também seria, em uma eterna
caminhada.
Mas
esse era seu momento, e ela precisava guiar sua própria vida como a um carro
conduzido por seu motorista e não pelo congestionamento.
Mas
esse era seu momento, e ela deveria seguir em frente.
Deixando
os outros em suas próprias transformações, renascendo todos os dias, assim como
ela renascia naquela noite quente de quase natal.
E
esperando, portanto, nada mais do que novos começos. Novos ciclos, novos
inicios, novas alegrias.
E
que em meio a esses novos caminhos, sua solidão fosse uma amiga e não uma
sombra. Fosse uma sabedoria, e não um medo.
Porque
em seu mundo, ela era livre para ser. Ser quem nasceu para ser, e ser feliz com
isso.
Mas
acima de qualquer coisa, estava livre para ser, apenas.
E,
naquele instante, ela estava apenas sendo, envolta pelo ar quente, iluminada
pela luz da lua, entregue a escuridão da noite.
Sentada
sob a janela do 15º andar, ela apenas era, completa pela sua solidão.
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