Relatos de Nostalgia

18:56





De ciclos a vida é feita. 


Caminho , de volta à cidade onde cresci. Caminho para relembrar o tempo em que não podia dirigir, não tinha idade suficiente. Em que tudo que eu queria era ter um carro. Entretanto, caminho. Caminho relembrando a sensação de viver aquele mundo, de sentir aquelas paisagens, de prestar atenção naqueles detalhes, e sobretudo caminho observando tudo aquilo que já me foi tão familiar. Caminho até chegar onde inconscientemente estava me levando. Até chegar na casa que contemplou tantas experiências. A casa que hoje se transformou em um Asilo. Um Asilo. Onde velhos com os olhos tristes sentam na garagem que um dia foi palco de tantas brincadeiras de menina, tantas brincadeiras de criança. Tantas corridas, tantas risadas, tantas energias gastas. Uma garagem que agora é ocupada por olhares vazios, doenças estruturais. Velhos. Sem energia, sem expectativa de vida. Não quero mais caminhar. A melancolia tomou conta de todo meu existir, durante um momento em que não consigo mais me desligar. Estou conectada com uma nostalgia. Com uma realidade distorcida à minha frente. Uma realidade que não existe mais. Observo. Observo os velhos, observo a palidez, observo a falta de vida.

Se ao menos fossem felizes! Se ao menos as paredes da casa que me protegeram por tanto tempo ainda sentissem felicidade e energia de vida. Sentissem que ainda há esperança no futuro, que ainda tem muito a se viver. Se ao menos fossem felizes.

Imagino então o que seria do meu quarto! Meu quarto. Cenário que faz tanta parte de minha historia. Lugar que passei muitas crises de adolescência... e muitos amores. Amores que na época durariam para sempre. Para sempre em minha vida. Para sempre naquele quarto. Lugar que chorei e que ri, e que aprendi, e que estudei, e que tomei decisões. Decisões que achava que eram as maiores do mundo. Agora quem esta no quarto não precisa mais tomar decisão alguma. Pois não se tem mais expectativa como as que eu tinha quando vivia por aqui.
E a vida era isso. Era pensando quando sairia, quando descobriria o mundo, sem saber que aquele era meu mundo, que hoje já não é mais.

Imagino a pitangueira no quintal, que ganhei quando ainda era menina, que cresceu comigo. E que era minha. Só minha. E que aprendia a ser árvore, assim como eu aprendia a ser mulher, e que ficava forte assim como eu. E que hoje já não existe, nem forte nem fraca. Porque o Asilo não admite vida, e cortou a minha pitangueira, assim como as recordações que eu tinha da casa. Minha casa.
Como posso saber o que "LAR" significa se não tenho mais um lar? Se tudo que entendo como LAR, já não existe mais?
Como posso lidar com uma memória e a manter intacta, se não posso voltar a vivê-la?

E aquela sala, em que meus pais se amaram, em que meus pais brigaram, mas em que, sobretudo, meus pais conviveram. E conviviam por anos. Que formou tantos valores que hoje trago comigo. Agora esse convívio já não existe mais, em lar nenhum. Agora, a sala que foi parte de tantos ensinamentos, está inundada de velhos com olhares vazios, que não se amam mais. Não amam os outros e não amam a si próprios. Que foram abandonados pelo mundo e por isso convivem na casa que eu cresci e que era minha. Como um mundo que era meu, e que agora não é mais meu, mas também não é de ninguém, porque ninguém quer. Ninguém deseja. Ninguém decidiu estar.
Como algo meu, da minha história, pode ter sido tirado de mim sem me consultar antes? Sem meu consentimento? Sem eu nem estar presente durante a mudança, que definiria tanto os próximos capítulos do meu livro que é continuar a viver. Como posso caminhar, lembrar, e ver, o que já não está mais?

Caminho então, voltando, regredindo a um novo "lar". A um novo lugar que possui um teto e que guarda a mesma cama de tantas historias, e tantas das coisas que um dia ilustravam tudo que eu era, e que agora flutuam sem sentido.
Um novo lar agora que eu retorno, e que é mais do que tanta gente tem, e que me culpo por não ser grata, mas que não é mais meu. Que não guarda minha história, que não cresceu comigo, que não me completa, nunca me completou. Caminho, como caminhava antigamente para ir ao colégio, para ir à casa de amigos. Agora caminho para voltar a um lar que esses amigos já não conhecem.

Uma casa tao grande, tao cheia de vida, agora tao vazia, tao pequena.

Mas que em sua pequena existência pode vir a ter um novo sentido. Pois eu já cresci, e já me entreguei ao mundo. Mas minha casa, sempre estará presente, fixa. Seu universo, diferente do meu, é limitado e especifico. Não posso levar minha casa pelos caminhos que pretendo percorrer. 
Assim como a natureza tem fases, tenho que aceitar que minha casa está passando por seu inverno: silencioso e tranquilo. 
E que, talvez, a felicidade de uma casa esteja em proteger qualquer um que precise de seu abrigo. E que o nosso laço não precisa ser menor devido à outros laços. Porque o que se fez eterno, sempre será.




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